09/06/2020

Fazenda São Bernardino

FAZENDA SÃO BERNARDINO

“SONHO DE PEDRA QUE BROTOU DO CHÃO

LAVRADO POR MUITAS GERAÇÕES”

 

                                                                             GUILHERME PERES

CASA DA FAZENDA SÃO BERNARDINO

ÓLEO SOBRE TELA:

GUILHERME PERES

No tempo em que a Estrada de Ferro Rio d' Ouro alcançou o vale do Iguaçu em 1883, estendendo seu ramal até ao pé da serra do Tinguá, encontrou nessa região, encimado em uma colina, um belo palacete engalanado por uma alameda de palmeiras que se dirigia em direção à “parada” dessa ferrovia.

Construído por Bernardino José de Souza e Mello, casado com Cipriana Maria Soares e Mello, filha de Francisco José Soares, português, patriarca de numerosa família de iguaçuanos, destacou-se com seu prestígio no panorama político e social da Vila de Iguassú, sendo eleito presidente da Câmara Municipal, durante cinco legislaturas a partir de 1837.

Em 1848, D. Pedro II fez uma visita a essa Vila, tendo "condigna acolhida" na residência do então tenente Francisco José Soares, ocasião em que o Imperador fez um donativo de "um conto de réis, para as obras do chafariz".

Bernardino, que sucedeu seu sogro nos negócios, demonstrou grande operosidade no comércio do café, e ampliou o patrimônio, construindo vários trapiches no porto, com a firma Soares & Mello. O Porto dos Saveiros, localizado na parte mais larga do Rio Iguaçu, permitia embarcações de até 40 toneladas, e concentrava o maior número de tropas de muares, que desciam a Estrada do Comércio, atravessando a Serra do Mar.

 

A HISTÓRIA

A história da Fazenda São Bernardino começa em 1862, quando Bernardino José de Souza e Mello adquire o sitio Bananal, “com benfeitorias e onze escravos”, anexado mais tarde ao "Sítio do Cachimbau, então propriedade de Francisco José Soares, sogro de Bernardino, anteriormente também comprado por ele por três contos de réis”. Iniciada pouco depois dessa anexação, e terminada em 1875, a construção desse palacete foi efetuada sobre uma elevação, estendendo-se à sua frente, em nível inferior, uma alameda de palmeiras imperiais até uma parada da estrada de ferro com a denominação de São Bernardino.

 

DESCRIÇÃO

Na entrada, uma escada dupla, protegida por gradil, era coberta por um pálio em folha de cobre e estrutura metálica. No beiral, as telhas de louça azul portuguesas complementavam o visual.

As janelas, divididas em duas partes, mostravam-se ornamentadas com um rico desenho de vidraçaria colorida com flores de lótus. “À direita do compartimento”, diz o prof. Ney Alberto de Barros, “ficava o grande salão de música”. A capela interna da São Bernardino ficava à esquerda, vizinha à "sala dos cachimbos". Ainda neste primeiro conjunto ficava a "alcova imperial" com enorme cama de metal, para a estadia de hóspedes ilustres.

Nas proximidades da capela, uma rica escadaria em jacarandá, ia encontrar-se com o "solárium", tendo sacadas defendidas por capeamento de chumbo, para evitar infiltrações, "na fachada lateral direita, havia uma porta que dava acesso a área de serviços, onde ficava o "armazém" (últimas janelas).

Nesse mesmo lado, ladeando um terreirão em nível mais baixo, viam-se cocheiras, garagens para charretes, senzalas, engenhos de açúcar, de aguardente e de farinha. Em 1965, o saudoso Waldick Pereira, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu, durante uma visita à fazenda registrava: "algumas peças originais e outras da época da compra: mobiliário, fogão de ferro ( ainda em uso ), um espelho oval enorme e na sala principal, candelabros e peças da capela. Na senzala e nas construções do engenho, ainda existe uma bomba de vapor, peças de carruagem, ferragens, polias, tonéis, um carro de boi e móveis quebrados."

 

A CAPELA

Em 21 de janeiro de 1880, o comendador Bernardino de Souza e Mello encaminhou à diocese do Rio de Janeiro, um pedido de autorização para que fosse oficiado na capela da sede de sua fazenda o ofício do “Sacrifício da Santa Missa”, sob a alegação que a igreja mais próxima era a de N. Sra. da Piedade do Iguassú, em considerável distância para seus fregueses “gozarem dos ofícios e praticarem a religião Católica”.

O vigário desta Igreja, Antônio Teixeira dos Santos, recebeu da Diocese de Petrópolis, na pessoa de Dom Pedro Maria de Lacerda, um pedido para que visitasse a dita sede da fazenda, surgindo assim um relatório atestando afirmativamente a conveniência de ser ali praticado o Santo Ofício.

Segundo a descrição, o “oratório está em lugar separado de todo o uso profano... tendo a direita e a esquerda duas arcas, cada uma com dois gavetões onde se acham as alfaias e paramentos. Por detrás do altar, como se vê em muitas Igrejas, levanta-se um trono de três degraus, sobre o último dos quais está um nicho de portas de vidro, encerrando uma imagem de São Bernardino, obra perfeita de noventa centímetros de altura, tanto o altar como o trono estão ornadas de jarras de porcelana e de castiçais galvanizados de prata como usasse hoje em nossas Igrejas”.

Afirmando que não havia dormitório nem aposentos em torno do oratório, padre Antônio relata que os objetos sagrados compostos pelo “cálice e a paterna são de prata” e o altar é “fixo de pedra d’ara inteira”, dizendo ter este pertencido ao “oratório do Collégio Pinheiro, na Corte”.

Neste altar encontravam-se “toalhas alvas de purificar os dedos, ante et post missam de linho fino”. Quanto aos paramentos de Missa, refere-se à cinco cores existentes “branca, vermelha, roxa, verde e preta, todos elles no feitio e nos ornatos, conforme ao uso deste Paíz”. Registrando os demais complementos, anota: um “Senhor Crucificado, seis castiçais galvanizados, um terno de sacras, Missal Romano com a competente estante, campainha, um par de galhetas e manustérgio junto ao altar”.

No final do relatório, padre Antônio Teixeira registra uma curiosidade até então desconhecida, sobre a saúde de dona Cipriana Soares de Mello, e que tudo leva a crer seria portadora de epilepsia, pois o pároco chama atenção para os “incômodos chronicos” desta senhora, seguidos de “ataques nervosos com movimentos convulsivos e perda de sentidos”. Relatando que quando os espasmos aconteciam durante a missa, era motivo de “distração e sussurros da parte dos assistentes, perturbação do sacerdote e conseqüente interrupção dos actos religiosos”.

Deixando a decisão final para o “Bispo Capelão Mor, Dom Pedro Maria de Lacerda”, padre Antônio assina o relatório escrito em Iguassú e datado de 13 de março de 1880, julgando ter “cumprido as ordens V. Exª. em todos os pontos”.

 

VISITA DO CONDE d`EU

Luís Filipe Maria Fernando Gastão, o conde d'Eu, era neto do rei Luís Filipe I da França, tendo renunciado aos seus direitos à linha de sucessão ao trono francês em 1864, quando do seu casamento com a última princesa imperial do Brasil, D. Isabel Cristina Leopoldina de Bragança, filha do último imperador do Brasil, Dom Pedro II.

Em junho de 1877, o “Índice Chronológico da História do Brasil”, publicou uma referência sobre a visita do conde d´Eu, esposo da princesa Isabel, feita à fazenda São Bernardino: ao saltar na estação de Machambomba, vindo pela Estrada de Ferro D. Pedro II, “partiu para a fazenda de S. Bernardino, propriedade do comendador Bernardino de Mello, acompanhado de grande número de pessoas. Depois de almoçar seguiu para Iguassú, e ali visitou as escolas, a Câmara Municipal e a Igreja, regressando para a fazenda onde foi servido um jantar.

À noite, feericamente iluminada com as luzes dos lampiões, a São Bernardino, conheceu seus dias de glória. O conde deslumbrou-se com a chegada de liteiras trazendo famílias abastadas da região, que ainda saboreavam a riqueza do café. Uma banda alemã especialmente contratada, fez com que muitos convidados rodopiassem no amplo salão ao som das valsas vienenses e modinhas brasileiras. Os serviçais se atropelavam entre damas de vestidos longos e leques rendados, ao servirem as taças de vinho francês, em homenagem ao conde, que ali pernoitou.

“No dia 6 seguiu para afazenda do Tinguá, propriedade do capitão Pinto Duarte” onde jantou, e depois de assistir um sarau, recolheu-se aos aposentos até o outro dia. Na manhã do dia 7 seguiu pela Serra do Comércio em visita as fazendas da região.

 

A SEDE DA FAZENDA

O coronel Alberto de Mello, filho de Bernardino José de Souza e Mello, visitando a fazenda em 1967, a convite de Waldick Pereira e, segundo o Prof. Ney Alberto, identificou as seguintes dependências instaladas no plano inferior da fazenda, onde ficavam a casa do engenho e a senzala: cocheiras, "garagem e guarda de arreios, carpintaria, ferraria, casa do feitor, senzalas, tulhas, etc.”

Na casa do engenho ainda existiam: “a máquina a vapor, a moenda, bases das engrenagens que movimentavam as polias, tudo cercado pelo madeirame de sustentação do telheiro, que abrigava também a casa de farinha, com seus instrumentos para a movimentação do moinho de fubá, da prensa de mandioca, um forno, tanques, etc.”

Com a implantação da Estrada de Ferro D. Pedro II, inaugurada em 1858, e as febres palustres que passaram a dominar também esta região, o movimento comercial da Vila foi decrescendo, até acontecer a sua mudança como sede do Município, para o arraial de Machambomba em 1891. À margem dessa estrada nasceria a futura Nova Iguaçu.

O Coronel Alberto de Mello, filho do Comendador, vendeu em 1917, a propriedade para Jácomo Gavazzi e seu sócio João Julião, com lavouras de cana e engenho em plena produção que geravam cerca de 2000 litros de aguardente anuais. Em meio a "febre" da laranja, tentarão a implantação da citricultura, tão rendosa na época, e se "iniciou violentos cortes na floresta existente nos grotões e às margens dos brejais. Para a passagem dos caminhões de lenha, acabou por sacrificar algumas palmeiras imperiais e solapar as bases de pedra e cal da cocheira". Não obtendo, porém, o retorno comercial esperado, "acabou por desistir da citricultura e providenciou o loteamento da área", ficando a lavoura e o casarão entregues ao saque e ao matagal.

Em 1940, durante o aniversário do Município, foi encaminhado ao Governo Federal, o pedido de "tombamento do conjunto arquitetônico da Fazenda São Bernardino", o que só aconteceu em 1951, até que em 1976, a Prefeitura de Nova Iguaçu ao desapropriá-la, cometeu um crime contra a História do nosso Estado, deixando-a entregue a própria sorte, sujeita a continuação do saque e da depredação.

Na década de 1980, durante o "governo" Paulo Leone, um incêndio de origem misteriosa, arrasou o que restava deste importante acervo histórico de nossa região. Monumento vivo de uma das mais prósperas Vilas do Estado do Rio de Janeiro, hoje desaparecida, tendo apenas como referência, a torre sineira da Igreja de N. Sra. da Piedade, ainda se mantendo de pé graças aos esforços dos historiadores Ney Alberto de Barros, Waldick Pereira e Ruy Afrânio Peixoto que se cotizaram para concretar sua base.

Coberto pelo mato, o velho cemitério "dos escravos", resiste à ação do tempo, insensivelmente assistido pelos nossos "governantes" até que não reste mais nada, para mostrar a geração vindoura.

 

EVOCAÇÕES DE UM HISTORIADOR

José Luiz Teixeira, Advogado e pesquisador da história iguaçuana, nos brinda com um belo artigo de sua verve literária sobre as lembranças da São Bernardino:

“Caminhar por suas ruínas desperta a imaginação. E logo nos vem os ecos do passado, como a sugerir de que maneira se vivia ali no tempo de fastígio e opulência, do ir e vir das pessoas, o canto melancólico de algum escravo, a sonhar com a liberdade ou sua terra natal, as mocinhas casadoiras contando os dias para a festa da matriz ou curiosas a respeito de algum visitante moço, que não podia ultrapassar a ala social da casa.

O poeta mineiro Emílio Moura, amigo e conterrâneo de Drummond, no seu livro A Casa, define melhor esse sentimento com seus versos:

"Abro os olhos à memória: a Casa salta do tempo.

Ah, cheiro de outrora, cheiro de relva, de terra úmida...

A vida, ao redor, tão clara, tão segura de cada hora."

"Transbordamos para o pátio, vencemos, céleres, ..."

"... áreas sem limites. Que áureo mundo!"

"Há valos, córregos, moitas e, ah, segredos!..."

"Em cada ritmo, um modo de ser e sonhar..."

“Idealizada e construída pelo Comendador Bernardino José de Souza Mello a partir do ano de 1862, só veio a ser concluída no ano de 1875, segundo data que até há poucos anos se via em sua fachada, além do monograma BJSM, alusivo ao seu fundador. Foi edificada na nova área surgida a partir da junção de duas propriedades.

Em 1861, a 13 de outubro, a firma Soares & Mello, como cessionária da viúva Moreira, de Luiz Manoel Bastos, José Joaquim Gonçalves, Manoel José Ferreira, Manoel de Moura Alves e Barão de Guandu (credores de José Frutuoso Rangel, inventariante de sua mulher - Antônia de Moura Rangel), adquire terras do citado inventariante, após o pagamento das dívidas do casal.”

Tratava-se de um "sítio" de florestas, em terras próprias, com trezentas e oitenta e sete braças e sete palmos de testada e fundos, um quarto de légua, mais ou menos, com todas as benfeitorias e onze escravos (pelo valor de três contos de réis). Tudo registrado no cartório do tabelião José Manoel Caetano dos Santos (processo nº 2.252, existente no Cartório do 1º Ofício de Nova Iguaçu).

O sítio de floresta, com benfeitorias e escravos é posteriormente comprado por Bernardino José de Souza e Mello, por dois contos de réis.

A 3 de junho de 1862, Bernardino José de Souza e Mello adquire o "sítio Bananal", que era de propriedade de Francisco de Paula e Silva e sua mulher - Maria Maciel Rangel da Silva.

Esse sítio media 434 braças de testada e 603 de fundos, confrontando-se ao norte, com José Gonçalves Bastos; aos sul, com José Frutuoso Rangel; fundos, com os herdeiros do capitão Joaquim Mariano de Moura; frente, com Fortunato José Pereira. O objeto desta compra estava hipotecado a Francisco José Soares e Luisa Joaquina da Costa Neves "que abriram mão da hipoteca em favor de Bernardino José de Souza e Mello".

Os dois "sítios" são anexados e formam o primeiro núcleo territorial para compor as terras da futura “Fazenda São Bernardino."

A primeira estranheza que se impõe a quem estuda a fazenda é o fato da mesma ter sido iniciada e concluída sua construção já em plena era de decadência da vizinha Villa de Iguassú, que desde 1858, com a chegada da Estrada de Ferro Dom Pedro II a Maxambomba (atual centro de Nova Iguaçu), iniciara o lento processo de esvaziamento econômico em favor do citado lugarejo, que deixara a Villa apenas com a animação artificial que lhe proporcionava a vida administrativa do município, que ali ficou até o ano de 1891, quando se transfere em definitivo para Maxambomba. Com efeito, na medida que a Estrada de Ferro Dom Pedro II, se interiorizava em direção ao Vale do Paraíba e posteriormente em direção as províncias de São Paulo e Minas Gerais, decaia dia a dia o movimento de tropas na Estrada Real do Comércio, que ligando a antiga Villa de Iguassu, ao interior das antigas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, foram a razão de sua existência como uma das muitas Vilas de Comércio, que haviam no chamado Recôncavo da Guanabara, citadas por Alberto Ribeiro Lamego no seu livro "O Homem e a Guanabara".

 

UMA VISITA AO SOLAR

O almanaque do “Correio da Manhã”, publicação anual oferecida aos assinantes desse Jornal editado no Rio de Janeiro, publicou no ano de 1947 um artigo sobre a sede da fazenda São Bernardino, assinado pelo jornalista Cardoso de Miranda, em que este descreve sua visita feita naquele ano a essa antiga mansão.

“A casa da Fazenda São Bernardino em Iguaçu, que foi do comendador José Bernardino Soares de Souza e Melo (sic), é um magnífico exemplar arquitetônico desses palácios rurais, que a aristocracia do Império erigia e que ainda hoje atestam melancolicamente, na grandeza de suas ruínas evocativas, o fausto duma época que findou”.

“Por que será que o Brasil, perdulário de civilização recente possui paradoxalmente ruínas? No Estado do Rio, esses nódulos esparsos de grandeza extinta, que deveriam ter sido o marco inicial duma nova era, são vestígios de um surto interrompido, provem do erro econômico da Abolição”.

 

VENDA DA FAZENDA

O Coronel Alberto de Mello, filho do comendador, vendeu em 1917 a propriedade para Jácomo Gavazzi e seu sócio João Julião, “com lavouras de cana e engenho em plena produção que geravam cerca de 2000 litros de aguardente anuais”. Em meio à "febre" da laranja, tentaram a implantação da citricultura. Tão rendosa na época, que "iniciou violentos cortes na floresta existente nos grotões e a margem dos brejais. Para a passagem dos caminhões de lenha, acabou por sacrificar algumas palmeiras imperiais e solapar as bases de pedra-e-cal da cocheira". Não obtendo, porém, o retorno comercial esperado, "acabou por desistir da citricultura e providenciou o loteamento da área", ficando a lavoura e o casarão entregues ao abandono.

Lastimando a decepção por esse rico patrimônio ter caído em mãos especulativas, Miranda prossegue descrevendo que “O palácio da Fazenda de São Bernardino está nas mãos de imigrantes, a cuja sensibilidade alienígena não pode falar aquelas paredes. Devera ter possuído esse paço rural na época remota de seu fastígio, um grande requinte europeu de conforto”.

Vemos em seguida que o autor ainda presenciou a fonte de mármore do pátio interno do solar, e promessas “pagas” no oratório oferecidas por moças casadoiras em agradecimento ao padroeiro:

“O estuque dos tetos, os três lances da escadaria interna, coroada por uma cúpula graciosa, o pátio, onde há cem anos a água canta na fonte de mármore, os móveis vetustos (a que o longo uso deu quase uma expressão humana, como diria Eça), a decoração das salas, a capela, onde a imagem do orago tem aos seus pés duas coroas de noivas, emurchecidas pelo tempo e pela saudade..., de tudo emana um aroma de guardados antigos em armários de pau-santo. Tudo revela uma perspectiva suave do passado, no meio de tudo divaga as belezas das coisas mortas”.

“Das sacadas se descortina um panorama de silencio, árvores e luz. Os renques de palmeiras imperiais enchem o terreiro calçado de Lages e as muralhas já se esmaltaram na patina do século”.

O cheiro de mofo desprendido das grossas cortinas em damasco que descem até ao assoalho resguardando o silêncio, despertam saudades que inspiram nosso visitante:

“Está isolada a casa sobre o planalto como imagino que deveriam ser isoladas as casas assim, afastadas do contato exterior, orgulhosa de seus pergaminhos, do seu aconchego fidalgo, ciosas de que não lhe macule os sonhos, os romances, as crenças, e os princípios à incompreensão da turba”.

O escritor revela e existência em um dos salões, de um quadro pintado a óleo de corpo inteiro do comendador Bernardino, “com o peito constelado de veneras” tendo ao fundo o Paço Municipal.

Em seguida clama por seus descendentes: “E os netos... quem sabe? andam por aí esquecidos das glórias prístinas do sangue que herdaram perdidos na massa do povo... o destino os despediu das alturas onde já tinham cumprido a sua tarefa e a eles, aos da ultima geração”.

Lamentando o falta de registros históricos desses palacetes construídos durante o ciclo do café, Cardoso de Miranda afirma que “os solares fluminenses mereciam ter quem lhes recolhessem a crônica sentimental e o ciclo econômico das terras circunvizinhas, estereotipado no apogeu e na decadência dos latifúndios”.

Finaliza lastimando como um prenúncio de abandono, à que ficaram entregue esses patrimônios: “Todas essas construções, porém, salvo raríssimas exceções, estão relegadas ao abandono pelos seus proprietários. Solares fluminenses, rude concepção heráldica de senhores rurais, cheios de traços de inspiração portuguesa dos nossos antepassados. Sonho de pedra que brotou do chão lavrado pelo esforço de muitas gerações”. Eles dizem em sua mudez, o que foi a “velha Província”.

 

FONTES BIBLIOGRÁFICAS;

MIRANDA, Cardoso de - “Solares Fluminenses”.

Almanaque do “Correio da Manhã” - 1947 – RJ

BARROS, Ney Alberto Gonçalves de – “De Iguassú a Iguaçu” Apostila - 1993

FORTE, José Mattoso Maia – “Memória da Fundação de Iguassú”

Jornal do Comércio – 1933 – RJ

PEREIRA, Waldick – “A Mudança da Vila” Arsgráfica – 1970 – RJ

TEIXEIRA, José Luiz – “Apontamentos para a História de Nova Iguassú”

Revista “Patrimônio” – Fev. 2000.

Fotos: acervo: Zanon de Paula Barros e Ney Alberto de Barros

Ilustração: Óleo sobre tela: Guilherme Peres


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