10/06/2020

Um passeio pelos sítios históricos da Baixada Fluminense em 1927

HISTÓRIAS FLUMINENSES

 

UM PASSEIO PELOS SÍTIOS HISTÓRICOS

 DA BAIXADA FLUMINENSE EM 1927

                                                                                                                                         Guilherme Peres

                       Porto da Estrela – Desenho de Thomas Ender

Baixada Fluminense! Que poema convulsivo sobre ela não escreveria um poeta de gênio! Que página de bronze não esculpiria um Euclides da Cunha, sobre o inferno verde destes pântanos de taboa, onde se aninha a malária que quase eliminou o homem do antigo celeiro do litoral fluminense!”

Assim inicia o jornalista Assis Chateaubriand*, em um artigo descrevendo um passeio feito através da Baixada Fluminense, publicado no “O Jornal”, sob o título: “Cidades Mortas” em agosto de 1927, visitando os sítios históricos dessa região.

Durante mais de 11 horas percorreu as “suas estradas, os seus alagadiços, suas aldeias e vilas abandonadas ou mortas, os seus portos fluviais em ruínas. Portos cheios de riquezas por onde outrora se escoava o café”.

Em companhia do Dr. Viçoso Jardim, antigo secretário das finanças do Estado do Rio e do Dr. Octávio Coimbra, ex-prefeito de Teresópolis, que “tomou o volante de um Ford” às 9 horas da manhã, e rumaram em direção ao desconhecido. 

A primeira parada foi em Merity, não a estação ferroviária, mas a que ficava “na Pavuna, à margem do rio do mesmo nome. Tomamos por uma estrada larga construída em terrenos da Companhia Rio-São Paulo. Mudamos depois para uma outra estrada mais estreita, correndo pela fralda de um morro, e em cinco minutos atingimos o porto de Merity”.

O jornalista descreve o cais: “sólido de pedra. Diante dele a massa quadrangular de um grande trapiche, cujo teto desabou. Paredes nuas e robustas de mais de meio metro de espessura. Ruínas à direita e a esquerda: nada de pé, a não ser o cais heroico e petulante”.

Descreve a importância desse porto no século XIX “onde desciam o café e o açúcar plantados este na Baixada e aquele, na Serra. É uma obra que resiste ao abandono, de certo, quase secular”.

Em seguida visitaram a antiga fazenda dos frades beneditinos, “outrora um convento”. Admira-se da construção, e de seu “destino clausular. Ela tem mais de dois séculos e continua solidíssima”.

O grande número de celas e a pequena capela sugere o número de irmãos “que ali oravam, ganhando o céu na terra imperfeita”.

Deixando o convento, dirigem-se em direção a “estrada de Garcia Rodrigues Pais Leme. Foi ele quem descobriu o caminho para as Minas Gerais através da Serra dos Órgãos. Subia-se até então pela Serra do Tinguá saindo de Iguassú Velho”.

Seguiram pela nova estrada Rio-Petrópolis até o porto do Pilar: “e pouco depois, a vila. As epidemias de malária devastaram-na de tal modo que dos 60 fogos da vila, não restam de pé nem 10. Tudo o mais são ruínas. Paredes carcomidas ou simples alicerces. A malária continua a devastar os poucos habitantes que ali vegetam”.

Em seguida, admira-se da igreja que ele chama de ermida: “ela data de 1694, e foi benzida em 2 de agosto de 1697. A freguesia de Nossa Senhora do Pilar, tinha no século XVIII quatro mil e quinhentas almas e 560 fogos. Possuía engenhos de açúcar, de aguardente, olarias e cultivava café, arroz, mandioca etc.”

Deslumbrado ao entrar na igreja com a decoração luxuriante que embelezava os altares, o jornalista a compara com visitas anteriores feitas em outros templos: “Já visitei no Estado do Rio as matrizes de Pirahy, São João Marcos, Valença, Vassouras, Mangaratiba, Porto das caixas, Itaborahy, e devo dizer que nenhum apresenta o luxo das decorações dos altares de Nossa Senhora do Pilar. Chamou-nos atenção para o acabado da imagem da Santa. É de fato um trabalho de rara delicadeza. Há ali cinco altares medindo 5 metros de altura, sobre 21/2de largura, todos obras de talha perfeita. A riqueza da igreja revela a do meio onde ela foi erguida”.

Ao juntar-se ao Dr. Valssié, médico da Fabrica de Pólvora da Estrela e, segundo o cronista, um apaixonado pela História da região, o jornalista, desviando seu itinerário, é convencido a visitar as ruinas do antigo Porto da Estrela, às margens do Rio Inhomirim.

“Este porto, também fluvial, era o ponto terminal da estrada União e Indústria. Só isso explica sua importância comercial. O tráfico que por ali se fazia: as partidas de café, que dos seus trapiches eram transportadas para o bojo das faluas que demandavam para o porto do Rio de Janeiro. Vi uma gravura do porto na qual se pode aferir a intensidade de sua vida, com o movimento de permutas que ali se faziam. As tropas que das Minas chegavam e para as Minas saiam”.

Ao chegarem ao local, registra o cais de pedra e uma grande casa cujo pavimento térreo foi transformado em estrebaria, e elogia a beleza da paisagem engolida pela relva: “O mato cresceu tanto que os alicerces das casas foram pela vegetação submergidos. Debaixo das rodas do automóvel, sentíamos o calçamento da estrada, cuja macadamização, em vários trechos, aqui e acolá, está admiravelmente conservada. É uma estrada abandonada há mais de 70 anos, desde que Mauá levou a estrada de ferro a Raiz da Serra”.

A solidão é completa. Entre o silencio das ruínas só o “abandono e a morte”. Além do sobrado ainda de pé, nas vizinhanças do cais “se nos deparam apenas os arcos de cantaria e a fachada de uma casa onde a lenda diz que se hospedou D. Pedro II, e no alto de um espigão de uma colina soberba de poesia, as quatro paredes brancas com o teto já abatido da matriz local, que uma tênue chuva de ouro de um poente sem grandeza, frouxamente iluminava”.

O rio preguiçoso banhava indiferente sua História em direção ao mar. Aos visitantes juntou-se um “amável comerciante local” que lamentava a desolação à que chegara o seu outrora esplendor, com o mato “servindo de mortalha daquelas ruínas”, e exclamando:

- Isso foi Estrela!

Depois de procurarem o cemitério, sem encontra-lo, o jornalista finaliza dizendo: “até os mortos dali desapareceram”.


*Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello.

 Mais conhecido como Assis Chateaubriand ou Chatô, foi um jornalistaescritoradvogadoprofessor de direitoempresáriomecenas e político brasileiro. Destacou-se como um dos homens públicos mais influentes do Brasil entre as décadas de 1940 e 1960. Era membro da Academia Brasileira de Letras.

 Chateaubriand foi um magnata das comunicações no Brasil entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1960, dono dos Diários Associados, que foi o maior conglomerado de mídia da América Latina, que em seu auge contou com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica.

Também é conhecido como o criador e fundador, em 1947, do Museu de Arte de São Paulo (MASP), junto com Pietro Maria Bardi, e ainda como o responsável pela chegada da televisão ao Brasil, inaugurando em 1950 a primeira emissora de TV do País, a TV Tupi. Foi Senador da República entre 1952 e 1957.  (Wikipédia)

 

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