HISTÓRIAS FLUMINENSES
UM
PASSEIO PELOS SÍTIOS HISTÓRICOS
DA BAIXADA FLUMINENSE EM 1927
Guilherme Peres
Porto da Estrela –
Desenho de Thomas Ender
“Baixada
Fluminense! Que poema convulsivo sobre ela não escreveria um poeta de gênio! Que
página de bronze não esculpiria um Euclides da Cunha, sobre o inferno verde
destes pântanos de taboa, onde se aninha a malária que quase eliminou o homem
do antigo celeiro do litoral fluminense!”
Assim
inicia o jornalista Assis Chateaubriand*, em um artigo descrevendo um passeio
feito através da Baixada Fluminense, publicado no “O Jornal”, sob o título:
“Cidades Mortas” em agosto de 1927, visitando os sítios históricos dessa
região.
Durante
mais de 11 horas percorreu as “suas
estradas, os seus alagadiços, suas aldeias e vilas abandonadas ou mortas, os
seus portos fluviais em ruínas. Portos cheios de riquezas por onde outrora se
escoava o café”.
Em
companhia do Dr. Viçoso Jardim, antigo secretário das finanças do Estado do Rio
e do Dr. Octávio Coimbra, ex-prefeito de Teresópolis, que “tomou o volante de um Ford” às 9 horas da manhã, e rumaram em
direção ao desconhecido.
A
primeira parada foi em Merity, não a estação ferroviária, mas a que ficava “na Pavuna, à margem do rio do mesmo nome.
Tomamos por uma estrada larga construída em terrenos da Companhia Rio-São
Paulo. Mudamos depois para uma outra estrada mais estreita, correndo pela
fralda de um morro, e em cinco minutos atingimos o porto de Merity”.
O
jornalista descreve o cais: “sólido de
pedra. Diante dele a massa quadrangular de um grande trapiche, cujo teto
desabou. Paredes nuas e robustas de mais de meio metro de espessura. Ruínas à
direita e a esquerda: nada de pé, a não ser o cais heroico e petulante”.
Descreve
a importância desse porto no século XIX “onde
desciam o café e o açúcar plantados este na Baixada e aquele, na Serra. É uma
obra que resiste ao abandono, de certo, quase secular”.
Em
seguida visitaram a antiga fazenda dos frades beneditinos, “outrora um convento”. Admira-se da construção, e de seu “destino clausular. Ela tem mais de dois
séculos e continua solidíssima”.
O
grande número de celas e a pequena capela sugere o número de irmãos “que ali oravam, ganhando o céu na terra
imperfeita”.
Deixando
o convento, dirigem-se em direção a “estrada
de Garcia Rodrigues Pais Leme. Foi ele quem descobriu o caminho para as Minas
Gerais através da Serra dos Órgãos. Subia-se até então pela Serra do Tinguá
saindo de Iguassú Velho”.
Seguiram
pela nova estrada Rio-Petrópolis até o porto do Pilar: “e pouco depois, a vila. As epidemias de malária devastaram-na de tal
modo que dos 60 fogos da vila, não restam de pé nem 10. Tudo o mais são ruínas.
Paredes carcomidas ou simples alicerces. A malária continua a devastar os
poucos habitantes que ali vegetam”.
Em
seguida, admira-se da igreja que ele chama de ermida: “ela data de 1694, e foi benzida em 2 de agosto de 1697. A freguesia
de Nossa Senhora do Pilar, tinha no século XVIII quatro mil e quinhentas almas
e 560 fogos. Possuía engenhos de açúcar, de aguardente, olarias e cultivava
café, arroz, mandioca etc.”
Deslumbrado
ao entrar na igreja com a decoração luxuriante que embelezava os altares, o
jornalista a compara com visitas anteriores feitas em outros templos: “Já visitei no Estado do Rio as matrizes de
Pirahy, São João Marcos, Valença, Vassouras, Mangaratiba, Porto das caixas,
Itaborahy, e devo dizer que nenhum apresenta o luxo das decorações dos altares
de Nossa Senhora do Pilar. Chamou-nos atenção para o acabado da imagem da Santa.
É de fato um trabalho de rara delicadeza. Há ali cinco altares medindo 5 metros
de altura, sobre 21/2de largura, todos obras de talha perfeita. A riqueza da
igreja revela a do meio onde ela foi erguida”.
Ao
juntar-se ao Dr. Valssié, médico da Fabrica de Pólvora da Estrela e, segundo o
cronista, um apaixonado pela História da região, o jornalista, desviando seu
itinerário, é convencido a visitar as ruinas do antigo Porto da Estrela, às
margens do Rio Inhomirim.
“Este porto, também fluvial, era o ponto
terminal da estrada União e Indústria. Só isso explica sua importância
comercial. O tráfico que por ali se fazia: as partidas de café, que dos seus
trapiches eram transportadas para o bojo das faluas que demandavam para o porto
do Rio de Janeiro. Vi uma gravura do porto na qual se pode aferir a intensidade
de sua vida, com o movimento de permutas que ali se faziam. As tropas que das
Minas chegavam e para as Minas saiam”.
Ao
chegarem ao local, registra o cais de pedra e uma grande casa cujo pavimento
térreo foi transformado em estrebaria, e elogia a beleza da paisagem engolida
pela relva: “O mato cresceu tanto que os
alicerces das casas foram pela vegetação submergidos. Debaixo das rodas do
automóvel, sentíamos o calçamento da estrada, cuja macadamização, em vários
trechos, aqui e acolá, está admiravelmente conservada. É uma estrada abandonada
há mais de 70 anos, desde que Mauá levou a estrada de ferro a Raiz da Serra”.
A
solidão é completa. Entre o silencio das ruínas só o “abandono e a morte”. Além do sobrado ainda de pé, nas vizinhanças
do cais “se nos deparam apenas os arcos
de cantaria e a fachada de uma casa onde a lenda diz que se hospedou D. Pedro
II, e no alto de um espigão de uma colina soberba de poesia, as quatro paredes
brancas com o teto já abatido da matriz local, que uma tênue chuva de ouro de
um poente sem grandeza, frouxamente iluminava”.
O
rio preguiçoso banhava indiferente sua História em direção ao mar. Aos
visitantes juntou-se um “amável
comerciante local” que lamentava a desolação à que chegara o seu outrora
esplendor, com o mato “servindo de
mortalha daquelas ruínas”, e exclamando:
- Isso foi Estrela!
Depois
de procurarem o cemitério, sem encontra-lo, o jornalista finaliza dizendo: “até os mortos dali desapareceram”.
*Francisco de Assis
Chateaubriand Bandeira de Mello.
Mais conhecido
como Assis Chateaubriand ou Chatô, foi um jornalista, escritor, advogado, professor de direito, empresário, mecenas e político brasileiro.
Destacou-se como um dos homens públicos mais influentes do Brasil entre as
décadas de 1940 e 1960. Era membro da Academia Brasileira de Letras.
Chateaubriand foi um magnata das
comunicações no Brasil entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1960, dono
dos Diários Associados, que foi o maior
conglomerado de mídia da América Latina, que em seu auge contou com mais de cem
jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica.
Também é conhecido como o criador e
fundador, em 1947, do Museu de Arte de São Paulo (MASP),
junto com Pietro Maria Bardi, e ainda como o
responsável pela chegada da televisão ao Brasil, inaugurando em 1950 a primeira
emissora de TV do País, a TV Tupi.
Foi Senador da República entre 1952 e 1957.
(Wikipédia)
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